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sexta-feira, 27 de março de 2009

Entrevista com Saulo Gomes


Esta semana fiz uma das entrevistas mais importantes para minha vida e carreira. Por isso, senti a necessidade de divugá-la aqui. Saulo Gomes é uma pessoa rara, e graças a Deus ele está conseguindo documentar sua vida para deixar seu legado para nós, reles mortais. Infelizmente é espaço é curta para um vida tão cheia de vida, de histórias, de coisas para contar. Quem quiser saber mais, basta visitar o site dele.

Entrevista com Saulo Gomes, publicada originalmente no Ribeirão Preto Online.

“A vida é a soma de experiências, e no jornalismo mais ainda. Você só vai se tornar um bom profissional no dia a dia vivendo as experiências, as dificuldade, e com uma boa dose de atrevimento e coragem que o jornalista deve ter”. Foi com esta frase que Saulo Gomes abriu esta entrevista, antes mesmo de começar, apenas por eu ter feito um comentário sobre sua vida de repórter. Saulo Gomes pode ser chamado de lenda viva do jornalismo brasileiro, pois foi testemunha atuante dos principais acontecimentos do século XX. A sua história se confunde com a história do país em vários aspectos, e quase aos 81 anos, ele está mais vivo que nunca para contar. Nascido no Rio de Janeiro em 2 de maio de 1928, Saulo completa 53 anos de profissão em 2009. Mesmo afastado da grande mídia desde 2002, quando veio morar em Ribeirão Preto, Saulo hoje se dedica a documentar grandes fatos que lhe renderam grandes reportagens para transformar em livros. Além disso, ele também está escrevendo suas memórias, para que todos conheçam seu trabalho através de si mesmo.

RP Online : Gostaria de abordar neste bate-papo alguns aspectos da sua carreira jornalística, porque sei que ela é muita vasta, e falar um pouco dos seus livros, o seu lado escritor.
Saulo : Em verdade não sou um escritor, sou antes de tudo repórter. Este ano faço 53 anos de jornalismo, e tive a felicidade de poder documentar minha vida profissional em fotos, textos, entrevistas, site, matérias minhas publicadas que estou organizando no meu site. Eu documentei tudo isso e mesmo afastado sou ainda atuante. Sou um repórter que está colocando toda sua experiência em livros e DVDS. Esse tipo de repórter investigativo que sou esteja talvez em extinção, pois há hoje uma falta de apoio e de entusiasmo geral. As empresas têm mutilado muito o trabalho dos profissionais.

RP Online : E o mais interessante é que você vai escrever sua biografia.
Saulo : É a maneira de mostrar a história absoluta, é a pura realidade, não há fantasias. É muito difícil alguém escrever as emoções que eu vivi. Os jovens poderão conhecer um pouco da história política do Brasil através do meu livro, coisas que não se encontram facilmente em bibliotecas e internet.

RP Online : Acredito que quando a maioria dos jovens optam por jornalismo, é em grande parte por causa do lado investigativo, que está em extinção. O que o sr. acredita que faz com que este tipo de jornalismo hoje esteja em desuso e este profissional cada vez mais raro?
Saulo : Acredito em parte, mas sem provas, claro, que é pelo comprometimento das empresas, pois isso afeta pessoas influentes na política, na sociedade. O poder econômico prevalece sobre determinadas empresas, principalmente em televisão, pois sabemos que o custo para se manter uma TV é astronômico. Hoje é preciso ter um tipo de programa chamado rentável, e no entender desses empresários, o jornalismo não é considerado rentável. Mas o empresário esquece que o jornalismo é um importante alicerce de prestígio e segurança para as empresas.
De uns anos para cá há uma influência muito forte dos departamentos comerciais, que estão preocupados em usar todos o segundos possíveis para comercializar.
E há também uma acomodação dos diretores de jornalismo. Antigamente os diretores impunham o seu direito, com profissionalismo. Por isso que fiz trabalhos longos, reportagens de meia hora, uma hora.

RP Online : Como o sr. vê a entrada das novas tecnologias para o cotidiano do jornalismo? Ferramentas como a internet, celular, vieram facilitar ou acomodar o profissional? Hoje em dia não é mais fácil dar a notícia primeiro do que dar melhor?
Saulo : Isso é um grande perigo, né, pois em casos que envolvem segurança e a pessoa quer ser o primeiro a dar a notícia é lamentável. Hoje, especialmente na televisão, a notícia vai ao ar incompleta, não esclarece, o jornalismo tem sido muito mutilado neste aspecto, e há alguns colegas despreparados, e outros que não têm espaço para mostrar o seu trabalho.
Há muita precipitação ao dar a notícia, mas há muitos sites e blogs em que o jornalista faz um trabalho mais detalhado, que busca as informações, e acho que eles vêm para ocupar o lugar que o jornalista investigativo, por não ter chance, deixou abandonado.

RP Online : E hoje, na sua opinião, quais profissionais ainda se destacam no exercício do jornalismo investigativo?
Saulo : Nomes nacionais posso citar Caco Barcellos e Roberto Cabrini, que mostraram competência . O Caco mesmo mostrou seu trabalho em livros, mas acredito que haja também no interior profissionais que tentam furar essa barreira.

RP Online : O sr. foi o primeiro jornalista do país caçado na revolução de 1964. Quanto tempo ficou exilado no Uruguai?
Saulo : Estive sete meses no Uruguai e um ano e meio preso, um total de dois anos e dois meses fora de atividade. Não considero esse tempo de exílio e cadeia perdido, como dizem alguns. Eu só ganhei, pois esta experiência me valeu pelo resto da vida. Depois que saí da cadeia desenvolvi grandes reportagens de denúncias, em política, saúde, serviços públicos, e conseguimos várias vitórias após essas denúncias, o que contrariava o governo. Fui perseguido pelos militares por muito tempo, e em 2008, 44 anos após minha prisão, fui anistiado.

RP Online : O que foi pior, ter ficado preso e exilado, ou ter sido o responsável por anunciar o fim das atividades da TV Tupi?
Saulo : É, realmente foi muito doloroso, muito triste, foi realmente um dos momentos mais tristes da minha vida, não teve jeito, né. (longa pausa....) Com o fechamento da TV Tupi encerramos este ciclo do jornalismo bem feito, vibrante, jornalismo investigativo com responsabilidade. E pensar que eram 93 empresas entre rádio, televisão, jornal e revista que deixaram a marca do jornalismo para sempre...

RP Online : Uma de suas reportagens mais marcantes foi a entrevista com o Chico Xavier, em 1968. Como foi o impacto desta reportagem em um país que na época era predominantemente católico?
Saulo : É, este foi e continua sendo, um dos trabalhos mais relevantes do jornalismo brasileiro. E claro, graças à liberdade que tínhamos de trabalhar na TV Tupi. As pessoas vivem me perguntando se eu lutei tanto para esta entrevista com o Chico Xavier porque eu era espírita, e eu sempre digo: “não, porque sou repórter”. Da mesma maneira, diziam que fui cassado em 1964 porque eu fazia política, mas ao contrário, o que incomodava é que eu cobria política com independência.
Eu percebi que o Chico era uma fonte de notícia e fui atrás. Demorei meses para me aproximar, e quando consegui, tive que deixar bem claro que era um trabalho sério, pois ele estava cansado de como era tratado pela grande mídia.
Teve muita reação e repercussão sim na época, pois o Brasil era apontado como a maior nação católica do mundo. Autoridades do espiritismo no país hoje dizem que a doutrina no Brasil tem o antes e o depois daquela reportagem.

RP Online : Na sua opinião, qual a sua melhor reportagem?
Saulo : Aí fica difícil, pois foram muitas (risos). Mas paralelamente a este trabalho com o Chico, ele me chamou a atenção para o problema de abandono de cerca de 100 pessoas que estavam com a doença do fogo selvagem no hospital de Uberaba. Eu desafiei o governo militar ao colocar no ar o estado de pobreza e abandono desses doentes. Essa reportagem virou campanha, e essa campanha fez inaugurar no país o maior hospital para a cura da doença em Uberaba, MG. Isso é gratificante, pois graças a essa denúncia, as pessoas conseguiram tratamento.
Na área policial, fiz uma reportagem sobre uma moça, a Neide Maia Lopes, que matou uma criança de quatro anos na década de 60. Foi uma das mais importantes da época. O Linha Direta fez um especial sobre isso, tomando por base o meu arquivo. Hoje, a imprensa tem noticiado muito sobre mortes infantis violentas, mas isso sempre existiu, mas não era divulgado nas mesmas proporções. Pois antes as notícias eram muito regionais e havia menos veículos, além do mais, em 1960 o país tinha 60 mil habitantes, hoje são mais de 190 mil.
Crimes como o esquadrão da morte, que começou em dezembro de 1968, resultaram em uma série de reportagens minhas mostrando quem eram os integrantes e como agiam. São várias reportagens, por isso fica difícil escolher uma só.

RP Online : Mudou a forma de cobrir esses crimes hoje?
Saulo : Sim, acredito que hoje os repórteres são apenas seguradores de microfone. Eles não vão investigar, e quando tentam fazer, acabam expondo demais o bandido, e o bandido não pode se sentir a vedete da situação, como costumo dizer, senão os crimes não são resolvidos e os bandidos saem impunes.

RP Online : Como o caso do Lindemberg ?
Saulo : Exatamente. Ali houve uma série de erros, tanto da polícia quanto dos jornalistas.

RP Online : Vamos falar agora dos seus livros?
Saulo : São doi publicados. O Homem que Matou Che Guevara está em sua nona edição, e foi um grande sucesso, pois obras sobre o Che têm centenas por aí, mas eu entrevistei o homem que disparou o tiro.
O outro é O Último Vôo, de 1996, que conta todos os elementos técnicos e humanos e a soma de erros e falhas do sistema aéreo do país, com base no acidente dos Mamonas Assassinas.

RP Online : E qual seu próximo projeto, além de suas memórias, claro.
Saulo : Devo lançar na Feira do Livro um DVD sobre o Chico Xavier que o povo não conheceu. E devo lançar também pela editora Intervidas, um livro que conta em detalhes minha convivência durante 31 anos com o Chico.
Além disso, eu tenho um vasto material que rende vários livros, mas ainda não tenho editora para publicar. Se alguma editora se interessar, tenho material sobre PC Farias, o Esquadrão da Morte, sobre os 36 dias que passei no Carandirú antes da implosão e outras histórias.

Histórias é o que não vão faltar. Infelizmente a entrevista precisou ser encerrada, e por mais que tenhamos estendido é pouco para relatar uma vida como esta. Mas quem quiser conhecer mais o Saulo Gomes, acesse seu site. A viagem não será perdida e as histórias são inesgotáveis.





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